Totem e Tabu

Noite fria, junina… discussão quente!

O GEP (Grupo de Estudos Psicanalíticos) fará seu primeiro aniversário em 30 de julho. Contando sempre com a participação de um seleto grupo de médicos-residentes e de psiquiatras do corpo técnico do Instituto Bairral interessados em conhecer um pouco mais de Freud, seus casos clínicos e suas teorias, está em plena atividade e cada vez melhor.

No dia 16 de junho foram discutidos os quatro capítulos de Totem e Tabu* (e algumas concordâncias entre a vida psíquica dos homens primitivos e dos neuróticos).

Interessante pensar em torno de que funcionamento social se originariam os equivalentes primitivos dos medos e as culpas neuróticas em culturas tão distintas da nossa quanto às necessidades e valores.

Em Horror ao incesto, Freud analisa a vida dos aborígenes australianos e suas tribos que se dividem em estirpes menores, cada qual nomeada segundo um totem (podia ser um animal, uma força da natureza, uma planta). O totem nomeia o clã, como se fosse um ancestral comum a todos os seus pertencentes. Mesmo que não haja consanguinidade, há expressas proibições às relações sexuais entre os indivíduos do mesmo totem, sob pena das mais cruéis punições ou mesmo da morte. Sendo o totem um ente sagrado e protetor, o clã deve preservá-lo (não matar, não comer sua carne) e cultuá-lo em festas em que, por exemplo, as danças imitam seus movimentos. A proibição das relações sexuais entre os membros do mesmo totem é o que institui a exogamia (só pode haver relações sexuais entre indivíduos de clãs diferentes). É interessante que esse sistema acabe por nortear todas as demais obrigações sociais e restrições morais das tribos.

Freud não deixa de apontar, sagazmente, o quanto existe entre os ditos “adultos normais” uma descrença em relação às primeiras escolhas sexuais do indivíduo como sendo incestuosas. Isso revelaria a forte aversão a um pensamento vinculado a seus antigos desejos incestuosos que, intoleráveis, foram submetidos a repressão.

Mas é em O tabu e a ambivalência de sentimentos que traz o ápice de seu relato. A palavra tabu já traz esse ápice, que é sua relação com a ambivalência na própria definição: quer dizer “santo, consagrado”, ao mesmo tempo que nos fala de “inquietante, proibido, impuro”.

O tabu como proibição diz respeito a devorar um animal proibido (núcleo do totemismo, cuja menção aparece acima), por exemplo, mesmo sem o saber. Mas a maioria das proibições fala de limitações na comunicação (não falar ou não olhar para tal “pessoa tabu”, não fazer tal movimento, não tocar). E de onde vem tudo isso, todas essas proibições, senão do desejo de transgredi-las? O que é levado muito a sério na relação feita por Freud entre os tabus, a transgressão e a culpa na neurose obsessiva. A ambivalência vem do desejo e da necessidade de expiação do mesmo – a culpa. Assim como o tabu também vem do desejo e da necessidade de punição. Um parágrafo fantástico e sintetizador:

“As mais antigas e importantes proibições do tabu são as duas leis fundamentais do totemismo: não liquidar o animal totêmico e evitar relações sexuais com os indivíduos do mesmo totem que são do sexo oposto. Esses devem ser, então, os mais antigos e poderosos apetites humanos”.

Pode-se refletir a partir das discussões do GEP se não seriam essas as duas das grandes questões que permeiam a prática clínica: as culpas relacionadas ao Complexo de Édipo e a religião. Fato é que há essa semelhança da “neurose nossa de cada dia” com os povos primitivos…

 

Grupo de Estudos Psicanalíticos
Grupo de Estudos Psicanalíticos

* FREUD, Sigmund (1912-1914). Totem e Tabu, Contribuição à História do Movimento Psicanalítico e outros textos. Obras completas, Vol. 11, São Paulo, Companhia das Letras, 2012.


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